Genes saltadores e a resposta à cisplatina em câncer de ovário

Genes saltadores e a resposta à cisplatina em câncer de ovário

Anteriormente, no post “O que são os ‘genes saltadores’ e como eles podem ser aliados na luta contra o câncer”, vimos que os transposons (ou elementos transponíveis) são conhecidos pela sua capacidade de se mover ou de se duplicar de um lugar para outro no genoma. Também vimos que tais movimentos ocasionam variações (mutações) genômicas, as quais são - como esperado - mais frequentes em células tumorais. Por outro lado, esses elementos transponíveis também têm características intrínsecas que podem impactar no controle dos genes que são expressos em uma célula, condição patológica ou organismo.

Elementos cis-regulatórios contidos em transposons

O genoma humano tem aproximadamente 19.200 genes codificadores de proteínas. A expressão desses genes, ou seja, formação de transcritos (RNA mensageiro) é controlada por uma combinação de diversos fatores genéticos, tais como os fatores de transcrição (proteínas com a função de promover a ativação destes genes) e sequências próximas a esses gene (sequencias cis-regulatórias e regiões promotoras). De uma forma simplificada, o fatores de transcrição são como helicópteros que pousam em heliportos específicos (as sequencias cis-regulatórias e regiões promotoras) e promovem a ativação, a transcrição, de um determinado gene. A expressão dos nossos genes depende de qual tecido a célula faz parte, de qual etapa do desenvolvimento cada célula se encontra e, de uma forma mais ampla, até por qual situação o organismo está passando (como doenças e estresses).

Mas o que isso tem a ver com os transposons? Sabe-se que os transposons também podem funcionar como elementos cis-regulatórios (na nossa analogia, “heliportos”) isto é, serem um ponto de ligação para fatores de transcrição. Portanto, se certos transposons são ou estão inseridos próximos a genes, eles são capazes de ajudar no controle da expressão desses genes! Temos evidências de que isso foi importante para a criação de diversas novidades genéticas ao longo da evolução dos organismos. Exemplos emblemáticos envolvem a origem de parte da placenta (o sinciciotrofoblasto) e a criação do ambiente imunologicamente tolerante que protege o feto da resposta imunológica materna, ambos regulados por elementos transponíveis (LTRs e ERVs). Por isso diz-se que os elementos transponíveis foram “domesticados” no nosso genoma, porque eles foram e ainda são utilizados para ajudar a regular a expressão dos nossos próprios genes.

Em câncer o fenômeno é o mesmo, mas a perda de controle pela célula pode fazer com que alguns oncogenes (genes que podem causar o câncer) sejam expressos em um nível acima do normal devido a presença de transposons próximos a eles. Esse fenômeno não está limitado a oncogenes, podendo ativar ou reprimir a função de outros genes importantes em determinados contextos específicos, tal como genes associados a uma maior ou menor resposta a um tratamento oncológico, por exemplo.

A importância dos transposons na clínica

Além disso, em princípio, os transposons podem ser usados como biomarcadores de prognóstico, diagnóstico, e até em coqueteis de vacina. A expressão de alguns desses elementos por si só tem sido correlacionada à infiltração de células imunes no tumor (células que combatem o tumor), como vimos no post anterior. Por consequência, os níveis de expressão de certos elementos transponíveis podem ser usados como preditores de resposta à imunoterapia. Com isso, fica claro a importância de entender a resposta dos transposons aos tratamentos de primeira linha amplamente utilizados, já que eles podem predizer a entrada de um segundo tratamento ou mesmo o prognóstico do paciente.

Transposons alteram a expressão gênica e podem impactar na resposta à terapia com cisplatina em câncer de ovário

Uma pesquisa publicada nesta semana (03.06.2024) pelo nosso grupo (MOMBACH et al., 2024) mostrou que os transposons podem participar da regulação de genes importantes na resposta ao tratamento com cisplatina em câncer de ovário. Nessa pesquisa, relacionamos genes desregulados a elementos transponíveis próximos, e sugerimos que os transposons podem estar alterando a expressão desses genes. Esses elementos podem impactar a expressão dos genes tanto por estarem inseridos próximos, quanto por estarem formando transcritos quimeras com certos genes, ou seja, parte do transcrito é gene, parte é transposon. Nessa pesquisa, mostramos que os elementos transponíveis estão associados, além de aos genes de resposta a tratamento, aos oncogenes, como o nome define, genes essenciais para o desenvolvimento do tumor. Portanto, os nossos achados evidenciam ainda mais a importância de investigar em conjunto os genes e os elementos transponíveis (transposons) contidos no nosso genoma para entender a origem do câncer e também como células tumorais vão responder ou não a certos tratamentos.

Referências

  • MOMBACH, D. M. et al. Transposable elements alter gene expression and may impact response to cisplatin therapy in ovarian cancer. Carcinogenesis, p. bgae029, 2024. Disponível em https://doi.org/10.1093/carcin/bgae029

MOMBACH, Daniela. Genes saltadores e a resposta à cisplatina em câncer de ovário. Galantelab, 10 de junho de 2024. Disponível em: https://galantelab.github.io/blog/elementos%20transpon%C3%ADveis/c%C3%A2ncer/cisplatina/2024/06/10/genes-saltadores-resposta-a-cisplatina.html. Acesso em:

Daniela Mombach

Daniela Mombach Bióloga e doutoranda em genética e biologia molecular com foco no estudo de elementos transponíveis no câncer

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