Retrocópias: um elemento à deriva, ou o tesouro do mapa genômico?

Retrocópias: um elemento à deriva, ou o tesouro do mapa genômico?

Quando pensamos no genoma humano, logo nos vem à mente a ideia de genes que controlam o funcionamento celular. Normalmente, também pensamos nesses genes codificando uma série de proteínas as quais, no fim do dia, regem o comportamento biomolecular de cada uma de nossas células, tecidos e organismo. Contudo, essas idéias guardam por trás de si uma complexidade imensa que em muito intriga os cientistas: Como e por quê certos genes são ativados, de que forma eles são regulados e quais são os mecanismos moleculares que originam esses genes ao longo da nossa história evolutiva?

Essas questões complexas são em grande parte responsáveis pelo contínuo desenvolvimento da área da Biologia Molecular desde o início do século XX. Essa complexidade não para de intrigar os cientistas e ainda, surpreendentemente, muitas questões ainda carecem de respostas satisfatórias, desafiando a compreensão plena dos genes.

Sabemos que os genes codificadores de proteína necessitam de um complexo maquinário bioquímico que coordena constantemente sua expressão, tradução, translação e degradação. Esse intrincado maquinário consiste do que chamamos de sequências não codificadoras, ribossomos e outras proteínas. Neste artigo, iremos discutir justamente um desses componentes cruciais: os microRNAs, conhecidos também como miRNAs.

O que são miRNAs e sua origem?

Os miRNAs são pequenos RNAs não codificadores de proteínas de tamanho aproximado de 22 pares de base. Esses RNAs possuem uma função chave de regular a expressão gênica no nível pós-transcricional, sendo que a sua biogênese envolve várias etapas de processamento coordenadas. Os miRNAs atuam nos mecanismos de regulação gênica, visando à região 3’ não traduzida (UTR) dos genes codificadores de proteínas, levando à repressão translacional ou à degradação de RNAs mensageiros. Até hoje a literatura atribuía a origem desses elementos essencialmente a dois mecanismos moleculares:

  1. a duplicação de um miRNA pré-existente;
  2. a origem de novo de miRNAs, principalmente em introns.

Como as retrocópias podem influenciar na origem de miRNAs?

Uma potencial fonte negligenciada de novos miRNAs são os pseudogenes processados, também conhecidos como retrocópias. As retrocópias são cópias de mRNA que foram inseridas no genoma em um processo conhecido como retrotransposição. Esse conjunto de elementos genéticos foi tido por muito tempo na comunidade científica como “sem função” ou “mortos-a-chegada”, mas um conjunto crescente de evidências (KAESSMANN et al., 2009; NAVARRO e GALANTE, 2015) sugere que uma grande fração das retrocópias é funcional.

O grupo de pesquisa do Dr. Galante segue uma forte linha de pesquisa investigando as retrocópias em humanos e diversas outras espécies. Em Setembro de 2023, publicamos um artigo na revista científica Mobile DNA, no qual identificamos que as retrocópias são fontes de novos miRNAs no genoma humano. Esses miRNAs derivados de retrocópia foram denominados retro-miRs, uma nomenclatura inédita na literatura científica. Este trabalho revelou a notável plasticidade das retrocópias onde identificamos 17 retro-miRNAs específicos de primatas.

Desses 17 retro-miRNAs, 4 foram originados de mutações frequentes na sequência das retrocópias, 6 são originados de miRNAs exônicos que foram retroduplicados de carona com o gene em que eles se localizavam e 7 vieram de uma sequência que só existe através das junções de exons. Como na figura esquemática abaixo:

Fig1

Com essas informações, conduzimos um estudo abrangente dos retro-miRs no genoma humano. Nossas descobertas demonstraram que esses retro-miRs são expressos de forma distinta em tecidos normais, linhagens celulares e, sobretudo, em câncer. Também mostramos que os retro-miRs possuem genes alvos que atuam em processos fundamentais para o funcionamento celular, incluindo, por exemplo, funções no sistema nervoso central. Por fim, mostramos que os retro-miRs exibem expressão diferencial e possíveis funções em vários tipos de câncer, tais como o câncer de fígado e de estômago. Portanto, nosso estudo demonstra a importância das retrocópias para a geração de elementos regulatórios (pós transcricionais), como os miRNAs.

Referências

  • KAESSMANN, H., VINCKENBOSCH, N. & Long, M. RNA-based gene duplication: mechanistic and evolutionary insights. Nat Rev Genet, v. 10, p. 19–31, 2009. Disponível em: https://doi.org/10.1038/nrg2487
  • NAVARRO, Fábio C. P. and GALANTE, Pedro A. F. jA Genome-Wide Landscape of Retrocopies in Primate Genomes. Genome Biology and Evolution, v. 7, p. 2265-2275, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1093/gbe/evv142

CONCEIÇÃO, Helena B. Retrocópias: um elemento à deriva, ou o tesouro do mapa genômico?. Galantelab, 9 de abril de 2024. Disponível em: https://galantelab.github.io/blog/dna/elementos%20transpon%C3%ADveis/retroc%C3%B3pia/2024/04/09/retrocopias-tesouro-do-mapa-genomico.html. Acesso em:

Helena B. Conceição

Helena B. Conceição Doutora em Bioinformática. Atualmente Pós-doutoranda no Galantelab, dedica-se ao estudo das retrocópias em humanos e outros organismos

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