HER2, splicing alternativo e os novos caminhos dos ADCs no câncer de mama

HER2, splicing alternativo e os novos caminhos dos ADCs no câncer de mama

O gene HER2 (também chamado ERBB2) é um dos marcadores moleculares mais estudados no câncer de mama. Esse gene produz uma proteína que funciona como um receptor de membrana, atuando em vias de sinalização ligadas ao crescimento e à proliferação celular. Quando a proteína do HER2 está presente em excesso — seja por amplificação do gene ou por superexpressão — ela funciona como um “acelerador” que faz as células tumorais crescerem rapidamente.

Foi a partir dessa descoberta que surgiram terapias direcionadas, como o trastuzumabe (para saber mais, veja aqui https://pt.wikipedia.org/wiki/Trastuzumabe) e outros anticorpos anti-HER2, que mudaram o panorama do tratamento de pacientes com câncer de mama HER2-positivo, isto é, pacientes com tumores que apresentam uma quantidade considerável desta proteína. Mas a ciência não parou por aí. Nos últimos anos, uma nova classe de tratamentos ganhou destaque: os ADCs (do inglês, Antibody-Drug Conjugates. Veja aqui para saber mais https://pt.wikipedia.org/wiki/Trastuzumab_deruxtecan) — conjugados anticorpo-droga. Eles funcionam como um “cavalo de Tróia”: um anticorpo reconhece e se liga especificamente ao HER2 na superfície da célula tumoral, e junto a ele carrega uma carga tóxica capaz de destruir a célula por dentro. Um dos exemplos mais promissores é o trastuzumabe-deruxtecan (T-DXd), que já mostrou resultados promissores até mesmo em pacientes com níveis baixos de HER2 — o chamado grupo HER2-baixo.

Splicing alternativo: várias versões do mesmo gene

Apesar desses avanços, a realidade clínica trouxe um desafio: nem todas as pacientes HER2-positivo respondem igualmente bem aos ADCs. Algumas apresentam resistência primária enquanto outras respondem apenas por um tempo antes de adquirirem resistência. E por que isso acontece? O motivo pode estar em um fenômeno chamado splicing alternativo.

Um estudo publicado neste mês de Setembro (2025) pelo nosso grupo na revista Genome Research link para o trabalho completo trouxe uma peça importante desse quebra-cabeça — reconhecimento que veio acompanhado da honra de conquistar também a capa da edição 🎉. O gene HER2 não produz apenas uma proteína, mas sim várias isoformas por meio do processo de splicing alternativo. Esse mecanismo, fundamental na biologia molecular, recorta e reorganiza o RNA antes de virar proteína. Com isso, em vez de gerar uma única versão do RNA mensageiro, um gene pode originar múltiplas isoformas — cada uma capaz de produzir uma proteína com pequenas diferenças estruturais.

Isso significa que, em vez de uma “porta de entrada” uniforme para o anticorpo, as células tumorais podem exibir variações estruturais de HER2. Algumas isoformas mantêm os domínios que os ADCs reconhecem, mas outras podem alterá-los, dificultando a ligação e, consequentemente, a entrega das drogas às células. É como se o cavalo de Tróia encontrasse portas com fechaduras diferentes: algumas abrem facilmente, enquanto outras não permitem a entrada da droga.

O que descobrimos

Nesta pesquisa, conduzida por uma equipe multidisciplinar (nós da Bioinformática e médicos do corpo clínico) daqui do Hospital Sírio-Libanês, fizemos um mapeamento sistemático das isoformas de HER2 em amostras de tumores e de linhagens celulares de câncer de mama. Por meio de análises de bioinformática em dados de sequenciamento de RNA com leituras longas e curtas, identificamos que:

  • O gene HER2 apresenta uma diversidade de isoformas produzidas por splicing alternativo maior do que se imaginava, com a possibilidade de produzir 90 proteínas distintas.
  • Algumas isoformas/proteínas podem favorecer ou atrapalhar a ação dos ADCs, influenciando sua captação e eficácia.
  • Existe uma heterogeneidade significativa nos perfis de isoformas do HER2 nas pacientes com câncer de mama.

Conjuntamente, esses achados ajudam a explicar por que pacientes com tumores aparentemente semelhantes (HER2-positivos) podem responder de formas tão distintas aos ADCs anti-HER2.

Implicações práticas para os ADCs anti-HER2

Essa descoberta abre novas perspectivas para a prática clínica:

  • Diagnóstico mais refinado – No futuro, não será suficiente classificar um tumor como HER2-positivo; será necessário avaliar quais isoformas de HER2 estão presentes, já que algumas podem favorecer (ou atrapalhar) a ação dos ADCs.
  • Biomarcadores de resposta – Isoformas específicas de HER2 podem servir como marcadores para ajudar a prever se uma paciente responderá bem (ou não) ao T-DXd ou a outros ADCs em desenvolvimento, evitando tratamentos ineficazes.
  • Desenvolvimento de novos ADCs – Conhecer a diversidade de HER2 abre espaço para criar ADCs otimizados para isoformas específicas, aumentando a eficácia e reduzindo resistência.

Conclusão

O HER2 já foi considerado um dos alvos mais “simples” e bem-sucedidos da oncologia. Agora, sabemos que ele é muito mais complexo, com múltiplas isoformas modulando a forma como o tumor cresce e como ele responde aos ADCs.

Os ADCs representam a nova geração de armas contra o câncer, e entender o papel do splicing alternativo do HER2 e de outros genes-alvo é essencial para explorar todo o seu potencial. Esse conhecimento pode redefinir a forma como classificamos os tumores do ponto de vista molecular e nos aproximar ainda mais da oncologia de precisão, onde cada paciente recebe a terapia ajustada ao perfil molecular específico do seu tumor.

Referências

  1. GUARDIA, G. D. A. et al. Alternative splicing generates HER2 isoform diversity underlying antibody-drug conjugate resistance in breast cancer. Genome Res., v. 35, n. 9, p. 1942–1958, Sep. 2025.

GUARDIA, Gabriela D. A. HER2, splicing alternativo e os novos caminhos dos ADCs no câncer de mama. Galantelab, 26 de setembro de 2025. Disponível em: https://galantelab.github.io/blog/c%C3%A2ncer/c%C3%A2ncer%20de%20mama/her2/splicing/adc/2025/09/26/HER2-os-novos-caminhos-no-cancer-de-mama.html. Acesso em:

Gabriela D. A. Guardia

Gabriela D. A. Guardia Doutora em Bioinformática pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, dedica-se ao estudo dos impactos do splicing alternativo na tumorigênese no Centro de Oncologia Molecular do Hospital Sírio-Libanês.

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